Arte na quarentena | Acompanhamento Projeto Duna

Além das iniciativas individuais que já comentamos em dois posts (sobre os diários da Clara Mazini e da Bárbara Scarambone), um dos projetos coletivos que acompanhamos na série Arte na Quarentena foi o Projeto DUNA, criado pelas artistas Bruna Castro e Natasha Padilha, que propõe o compartilhamento de trabalhos inéditos e da rotina criativa de cinco artistas emergentes por ciclo. A ideia é que ao longo de 15 dias cada artista selecionada ocupe a plataforma por três dias, também podendo optar por realizar uma apresentação ao vivo.

O projeto está em seu segundo ciclo, e em cada um deles as participantes se conhecerão e poderão além de trocar experiências e referências, compartilhar feedbacks a respeito dos trabalhos. A proposta também prevê um convidado especial por ciclo que acompanhará as atividades do DUNA e posteriormente fará apontamentos críticos.

O primeiro ciclo, finalizado no dia 02 de maio, contou a participação das artistas Rafaela Salgueiro, Be Lopes, Andrea Pavón, Marina Fervenza e Kaindie Arvoredo e com o acompanhamento de Ana Luiza Fortes, uma das curadoras e co-fundadoras da Piscina. Aqui ela comenta um pouco como foi essa experiência:

Confesso que quando a Natasha, uma das criadoras do Projeto Duna, me convidou para fazer os feedbacks fiquei um pouco apreensiva. A minha principal preocupação, sendo artista e já tendo passado por algumas sessões críticas bastante traumáticas, era encontrar uma forma de comentar os trabalhos das artistas de forma construtiva e participativa. Sem me deixar acometer por um indesejado senso de superioridade e de cegueira para a potência de cada proposta, tão comum entre artistas, curadores e professores que ocupam essa posição.

Na Piscina somos guiadas pela nossa intuição em quase tudo que fazemos, mais do que por referências externas de “como supostamente as coisas devem ser feitas”. Nesse caso não foi diferente. Foi assim que optei por realizar um feedback coletivo baseado em imagens associativas de outras artistas que poderiam servir de referência para as jovens criadoras. A ideia foi ligeiramente inspirada no trabalho do historiador de arte alemão Aby Warburg (1866-1929) em seu Atlas Mnemosyne (1924-1929), projeto inacabado que pretendia refletir a complexa busca pela construção de um pensamento visual sobre a arte. [Para conhecer um pouco mais sobre o Atlas recomento a leitura do artigo “Atlas Mnemosyne – Busca infinita por arquivar imagens e pensamentos”, escrito por Georgia Quintas].

As artistas que apareceram no meu Atlas foram: Sophie Calle, a fotógrafa Elina Brotherus, Lygia Clark, Cindy Shermann, Louise Bourgeois, as pintoras Shannon Bono, Joy Labinjo e Cassi Namoda e a nossa querida Camila Fontenele. Fiz as conexões de forma algo intuitiva a partir da observação dos trabalhos e processos criativos que as participantes do Duna foram compartilhando no Instagram do projeto. A princípio associei referências especificas para cada uma delas, mas depois optei por juntar todas as imagens para que pudéssemos nos relacionar com o material de forma mais aberta.

Foi então, que a partir da observação dessas referências, escolhemos alguns conceitos que nos serviram como ponto de partida para comentar os trabalhos. O mais interessante desse momento é que as palavras ao mesmo tempo que ajudaram a pensar as especificidades as obras compartilhadas permitiram perceber o que elas tinham em comum, facilitando o diálogo.

A experiência foi muito interessante e me fez enxergar que há outras formas possíveis de se realizar comentários sobre trabalhos artísticos que não sejam hierárquicas, traumáticas, excludentes e desrespeitosas com as pessoas que estão mostrando seus processos de criação, muitos ainda em estado germinal.

Acompanhando o Projeto Duna durante essa última semana de abril foi possível entender que ele não foi pensado como um espaço de mera exibição de trabalhos artísticos, mas como um espaço de troca e liberdade de experimentação em um período marcado por tantas tensões e incertezas. Sem querer “romantizar” a experiência que estamos vivendo (que já sabemos, está tendo consequências terríveis para a humanidade), se ela pode nos trazer algo de positivo é uma brecha para buscar outras formas de viver e se relacionar em todos campos. Cabe a nós saber aproveitar essa fissura para expandir nossas possibilidades e não para restringi-las ainda mais.