Arte na quarentena | PUERPERIUM

Seguimos em quarentena. Talvez mais leve do que no início em muitos países (embora no Brasil os números de covil-19, nesse momento, estão longe de diminuirem), mas seguimos convalescendo, resguardados. 

Com base na noção de resguardo da quarentena, a curadora independente Bianca Bernardo e a artista Luisa Callegari criaram o projeto PUERPERIUM, cujo nome se refere ao período de puerpério – fase pós-parto, também conhecida como “resguardo” ou “quarentena” em que a mulher experimenta modificações em seu corpo e transformações psíquicas – relacionando-o com o momento em que estamos vivendo.

Como mães e profissionais do meio artístico, faz sentido que as idealizadoras do projeto tenham buscado traçar esse ponto de convergência. No puerpério, as mulheres que recém se tornaram mães, têm de reconhecer uma nova realidade, romper com mitos, crenças e idealizações para construir uma nova identidade para si. 

Da mesma maneira, em um momento em que o mundo se encontra em um ponto de inflexão, onde todos temos que reinventar nossos modos de vida e adaptar nossas realidades e expectativas, o projeto PUERPERIUM convida artistas a responderem uma questão: 

A partir da conceituação de que estamos passando por um PUERPÉRIO como sociedade, como você produz suas estratégias de maternagem? 

As respostas que chegaram ao longo da quarentena, vieram em forma de proposições artísticas e/ou texto e compartilharemos algumas delas por aqui. 

Simone de Moraes, Roda da Fortuna, 2016.

Simone de Moraes, Roda da Fortuna, 2016.

A artista Simone de Moraes respondeu à questão com o trabalho Roda da Fortuna, de 2016, que se trata de um registro de uma ação em que a artista tece uma trama de fio de lã de carneiro com os braços. O processo repetitivo de tecer por sua vez, cria um aprisionamento dos movimentos conforme cresce a trama e o corpo se cansa. Nas palavras da artista, “o corpo muda, pesa. A trama acumulada representa o tempo, que cobre-o como uma pele. Esse tempo que estamos na espera, tecendo relações e afetos, mesmo de longe!"

Luisa Brandelli, Abaporu, 2020.

Luisa Brandelli, Abaporu, 2020.

Uma das respostas da artista Luisa Brandelli à questão foi o trabalho Abapouru, de 2020, em referência à obra homônima de Tarsila do Amaral, que também podemos reconhecer como estampa da calcinha usada pela artista nesta ação. Brandelli cria uma relação entre as linhas da representação em sua calcinha e as linhas formadas por sua virilha e pernas que, por vezes, parecem mimetizar a figura representada por tarsila e sobrepõem-se a ela. Entre a repetição de imagens e símbolos, o trabalho de Luisa pode nos trazer questionamentos acerca das limitações desse novo contexto, em que buscamos encontrar novas respostas ao mesmo tempo em que ainda nos vemos presos a moldes antigos.

Já a artista Brisa Noronha, respondeu à questão com alguns trabalhos feitos durante a quarentena e uma reflexão sobre os pontos em comum e divergentes entre a quarentena e o puerpério.

Os trabalhos apresentados fazem parte de uma pesquisa em andamento em que a artista explora a relação dos objetos/esculturas e suas escalas em relação ao espaço. A observação consciente dos objetos afetivos do cotidiano fazem parte do trabalho de Brisa desde 2018, ano de nascimento de sua filha Lina.

Brisa Noronha, Sem título, 2020.

Brisa Noronha, Sem título, 2020.

Para Brisa, embora exista uma semelhança entre o momento em que estamos vivendo e o período do pós-parto vivenciado pelas mães, no que diz respeito ao retorno à casa, a convivência doméstica e a oportunidade de revermos nossas escolhas, a principal diferença entre ambas quarentenas se dá pelo fato de que, enquanto sociedade, estamos vivenciando essa experiência de forma coletiva e todos conseguem ter uma compreensão do sentimento do isolamento social. Já as mães, passam o puerpério sozinhas. Nas palavras da artista, suas vidas entram “em um ritmo totalmente novo e descompassado com o ritmo anterior enquanto todos ao redor (o pai, o marido, os vizinhos, as pessoas na padaria) seguem suas vidas ditas normais.”

Como muitas das iniciativas criadas para lidar com o momento presente, o projeto PUERPERIUM entende o meio digital como um lugar de encontro e propõe uma investigação sobre as linguagens possíveis da arte no momento presente, tornando-se assim, um arquivo de produções artísticas e reflexões suscitadas pelo isolamento decorrente da pandemia do Covid-19. presente. ​​

No dia 6 de julho, às 16h, as idealizadoras do projeto utilizarão o espaço da Piscina no instagram, para uma live, em que falarão mais sobre o projeto e sobre o impacto da pandemia no campo cultural, sobretudo no que diz respeito à sobrecarga das mulheres artistas e profissionais da arte durante esse período.